terça-feira, 13 de dezembro de 2016

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Carnaval e Espíritos


O Carnaval é uma festa religiosa, é o misto dos dias sagrados de Afrodita e Dionísios, vem coroado de pâmpanos [ramos de videira] e cheirando a luxúria. As mulheres entregam-se; os homens abrem-se; os

instrumentos rugem; estes três dias ardentes, coruscantes são como uma enorme sangria na congestão dos maus instintos.

[RIO, João do. Cordões. In: A alma encantadora das ruas: crônicas. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 127, com adição]

O Folião Redimido

A cidade, regorgitante, era um pandemônio. (...)

Trabalhadores do nosso plano diligenciavam atendimentos a pessoas encarnadas (...); urgências para recém-desencarnados em pugnas decorrentes da ingestão de bebidas alcoólicas, de desvarios sexuais, das interferências subjugadoras de seres obsidentes...

(...) (...) Subitamente fui colhido por uma surpresa, que me tomou de emoção feliz.

Vislumbrei um diligente cooperador que me fazia recordar célebre poeta e compositor, cujas músicas populares foram-me familiares quando na Terra.

Circunspecto, atendia, gentil, no seu labor, sem alarde, nem afetação, ao trabalho que lhe fora confiado.

Acerquei-me e indaguei-lhe o nome, confirmando a suspeita quanto à sua personalidade.

Sem qualquer indelicadeza inquiri, para minha própria aprendizagem, como conciliava a sua atitude de ex-sambista, vinculando às ações do Carnaval, com a atual, longe do bulício festivo em trabalhos de socorro ao próximo? O amigo assumiu uma posição meditativa e, sem ressentimento, respondeu:

- Enquanto, na Terra, (...) Sem resistências morais, resvalei, não poucas vezes, carpindo, na soledade e na fuga pelos alcoólicos e drogas outras, o tormento que me não deixava.

Amei muito, certamente que um amor desconcertante, aturdido, que passeava pelos bares de má fama e cabarets, sorvendo toda taça de aflições (...).

A desencarnação colheu-me a vida física ainda jovem.

Despertei sob maior soma de amarguras, com fortes vinculações aos ambientes sórdidos, pelos quais transitara em largas aflições.

(...) As muitas composições pessoais e aquelas em parceria, no entanto, inspiravam e despertavam ternura, retratando situações e acontecimentos do coração, que provocam emoções positivas...

(...) a minha memória gerou simpatias e a mensagem das músicas provocou amizades, graças a cujo recurso fui alcançado pela Misericórdia Divina, que me recambiou para outros sítios de tratamento e renovação, onde despertei para realidades novas.

Passei a compreender as finalidades superiores da vida, que eu malbaratara, descobrindo, porém, que é sempre tempo de recomeçar e de agir, iniciando, desde então, a composição de outros sambas ao compasso de bem, com as melodias da esperança e os ritmos da paz, numa Vila de amor infinito...

O Carnaval, para mim, é passado de dor e a caridade, hoje, é-me festa de todo dia, qual primavera que surge após inverno demorado, sombrio.

Calou-se e sorriu algo triste, para logo concluir:

- Apesar da noite vitoriosa, o dia de luz sempre triunfa e o bem soberano tudo conquista...

Abracei-o, reconhecido, e fui-me adiante a meditar nos apontamentos vivos que acabara de recolher.

(Trecho de FRANCO, Divaldo Pereira; pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Nas Fronteiras da Loucura, Salvador: LEAL, 1982, cap. 6, pp 51 a 56. Obs.: O título desse trecho foi adicionado aqui).

Nossa hipótese diz que o “Espírito Folião Redimido” é Noel Rosa (1910-1937), desencarnado aos 26 anos de tuberculose. A palavra Vila, que aparece no texto, possivelmente é uma analogia ao bairro carioca de Vila Isabel, berço de Noel e bastante citado em suas composições.

O Espírito Noel Rosa deixou canções, através de médiuns, que exaltam, dentre outras coisas, Deus e a cidade do Rio de Janeiro.

O samba não é pecado, se nasce do coração

Jesus nasceu festejado, no meio de uma canção

Um Rio belo e risonho, canto ainda a serenata

em tuas noites de sonho, em tuas noites de prata.

(Espírito Noel Rosa através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, jan. 1963).


A Triste História de um Carnaval que não teve Fim
 (...) Há criaturas que possuem o dom de convencer.

Peixoto de tal parecia ser uma delas. Com a simples fantasia de “pirata”, fazia mais sucesso que os arlequins e as rainhas-de-sabá. Certamente não era a mais rica, nem a mais original. Era mesmo o dono, quem “valorizava” a veste: chegou, brincou e convenceu. Convenceu mesmo.

Um olho tapado, à guisa de Almirante Nelson, espada em punho, saltava, duelava, suava, cantava e... convencia!

À saída do baile os comentários foram unânimes:
- “O Peixoto é o maior, hein?”

Na noite seguinte ele não apareceu.

A turma o esperava, certa de que todos teriam a repetição do entretenimento; decepcionaram-se com a ausência.

- “Amanhã será o último dia, Peixoto tem que vir!”

Combinaram e foram à casa dele.

Sentia-se indisposto e, por isso, não fora. E continuava sem vontade de ir. Não era doença não, era mesmo uma vontade esquisita de não ir.

A “boa turma” tanto fez que Peixoto cedeu.
Afinal... se era indispensável... Animou-se e foi.

Antes houvesse atendido àquela voz estranha
que o aconselhava no recôndito da consciência:

- “Não vá, Peixoto, não vá!”

Ele mesmo nem ficou sabendo disso.

Na última noite momesca, Peixoto estava exuberante,  habilidoso, perfeito, inexcedível!

O baile caminhava para marcar o fim do carnaval.
“Aproveita que é hoje só!”

Poucos pares se aguentavam de pé, mas o pirata Peixoto estava firme no seu papel, sempre admirado, sempre lisonjeado. Enfim, a marcha final!
Acabou-se o baile! Cessaram todos de pular. Todos. Todos, disse eu?

Quase todos, porque o pirata Peixoto continuava
a representação.

Acharam graça. No princípio. Meia hora depois, prosseguindo o seu próprio carnaval, os que restavam do grupo começaram a estranhar. Levaram Peixoto para casa. Esgrimindo sempre; sempre perfeito, sempre inexcedível.

No dia seguinte, tiveram a notícia. Ele dormira, mas, mal acordado, na quarta-feira de cinzas, retomara imediatamente a espada de madeira, recomeçando a batalha.

Tornara-se o pirata Peixoto presa de autêntica subjugação.
A medicina o classificou como louco.

Para ele o carnaval só teve fim, quando desencarnou. Isto, aos olhos dos mortais, porque “do outro lado”, continuou, por muito tempo ainda, a batalha invencível, o baile infernal!

(Trecho de BASTOS, Demétrio Pável. A Voz do Coração. Juiz de Fora-MG:
Instituto Maria Departamento Editorial, 1986, pp. 111 a 114)

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