Tanto Gautama (Buda) como Jesus não se utilizam, em sua pregação, de
uma língua sacra que se tornou incompreensível (sânscrito – hebraico),
mas sim da língua vulgar (dialeto indo-ariano – língua aramaica do
povo).
Nem um nem outro codificou nem mesmo chegou a lançar por escrito sua doutrina.
Tanto Gautama como Jesus apelam para a razão e para o entendimento
do homem – não por meio de exposição e palestras sistemáticas, mas sim
com auxílio de provérbios, narrativas breves e parábolas simples, que
todos são capazes de entender, tiradas da vida cotidiana comum e
acessíveis a qualquer um, sem se prenderem a fórmulas, dogmas ou
mistérios.
Tanto para Gautama como para Jesus a grande tentação é representada pela ganância, pelo poder e pela cegueira.
Nem Gautama nem Jesus são legitimados por qualquer cargo, ambos se
opõem à tradição religiosa e seus guardiões, à casta ritual-formalista
dos sacerdotes e doutores da lei, que não demonstram sensibilidade para
com os sofrimentos do povo.
Tanto Gautama como Jesus logo reúnem amigos íntimos em torno de si,
um círculo de discípulos e um grupo mais amplo de seguidores.
E não é apenas em sua conduta, mas também em sua pregação, que se manifesta uma semelhança básica:
. Tanto Gautama como Jesus apresentam-se como mestres. A autoridade
de um e de outro estriba-se não tanto na formação escolar, mas sim muito
mais na extraordinária experiência de uma realidade inteiramente
diferente.
. Tanto Gautama como Jesus apresentam uma importante mensagem de
alegria (o darma – o evangelho) que exige das pessoas uma mudança de
atitude (metanóia: “andar contra a corrente”) e uma confiança
(shraddha: “fé”). Não se trata de uma ortodoxia, mas sim de uma
ortopraxia!
. Nem Gautama nem Jesus pretendem dar uma explicação do mundo ou pôr
em prática especulações filosóficas profundas ou uma casuística legal
erudita. Suas doutrinas não são revelações secretas, não visam também a
uma determinada ordem jurídica nem a determinadas condições jurídicas e
políticas.
. Tanto Gautama como Jesus partem da condição provisória e efêmera do
mundo, do caráter transitório de todas as coisas e da não redenção do
homem. Tudo isto se evidencia na cegueira e na loucura, na situação
caótica, no envolvimento com o mundo e na falta de amor para com os
semelhantes.
. Tanto Gautama como Jesus apontam um caminho para liberar do
egoísmo, da dependência do mundo, da cegueira – libertação essa que se
alcança não pela especulação teórica nem pelo raciocínio filosófico,
mas sim por uma experiência religiosa e por uma transformação interior.
Um caminho muito prático para a salvação.
. Para se chegar a essa salvação, nem Gautama nem Jesus exigem
condições especiais de caráter intelectual, moral ou ideológico. Basta
que o homem ouça, entenda e daí tire suas conclusões. Ninguém é
interrogado por sua verdadeira fé, nem se exige nenhuma declaração de
ortodoxia.
. O caminho tanto de Gautama como de Jesus é o caminho do meio-termo
entre os extremos do prazer dos sentidos e da autopunição, entre o
hedonismo e o ascetismo. Um caminho que permite que o homem se volte
para o próximo com uma nova atitude de acolhimento! Não apenas os
mandamentos gerais para todos – não matar, não mentir, não furtar, não
praticar luxúria – se correspondem amplamente em Buda e em Jesus, mas
também, em príncipio, as exigências básicas de bondade e de alegria
compartilhada, de compaixão amorosa, (Buda) e de amor compassivo
(Jesus).
Mas os paralelos entre os caminhos de salvação budista e cristão não
se restringem às figuras dos fundadores. Evidenciam-se também em certos
desenvolvimentos que vieram mais tarde, sobretudo no monasticismo.
TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO RELIGIÕES DO MUNDO – HANS KUNG – EDITORA
VERUS – 2004 – E EDITADO POR ALEXANDRE CUMINO, PARA O JORNAL DE UMBANDA
SAGRADA, SETEMBRO DE 2008
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