quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Buda e Jesus

Tanto Gautama (Buda) como Jesus não se uti­lizam, em sua pregação, de uma língua sacra que se tornou incompreensível (sânscrito – hebraico), mas sim da língua vulgar (dialeto indo-ariano – língua aramaica do povo).

Nem um nem outro codificou nem mesmo che­gou a lançar por escrito sua doutrina.

Tanto Gautama co­mo Jesus apelam para a razão e para o entendimento do homem – não por meio de exposição e palestras sis­temáticas, mas sim com auxílio de provérbios, narrativas breves e parábolas simples, que todos são capazes de entender, tiradas da vida cotidiana comum e acessíveis a qualquer um, sem se prenderem a fórmulas, dogmas ou mistérios.

Tanto para Gautama como para Jesus a grande tentação é representada pela ganância, pelo poder e pela cegueira.

Nem Gautama nem Jesus são legitimados por qualquer cargo, ambos se opõem à tradição religiosa e seus guardiões, à casta ritual-formalista dos sacerdotes e doutores da lei, que não demonstram sensibilidade para com os sofrimentos do povo.

Tanto Gautama como Jesus logo reúnem amigos íntimos em torno de si, um círculo de discípulos e um grupo mais amplo de seguidores.

E não é apenas em sua conduta, mas também em sua pregação, que se manifesta uma semelhança básica:

. Tanto Gautama como Jesus apresentam-se como mestres. A autoridade de um e de outro estriba-se não tanto na formação escolar, mas sim muito mais na extra­ordinária experiência de uma realidade inteiramente diferente.

. Tanto Gautama co­mo Jesus apresentam uma importante mensagem de alegria (o darma – o evan­gelho) que exige das pes­soas uma mudança de ati­tude (metanóia: “andar con­tra a corrente”) e uma confiança (shraddha: “fé”). Não se trata de uma ortodoxia, mas sim de uma ortopraxia!

. Nem Gautama nem Jesus pretendem dar uma explicação do mundo ou pôr em prática especulações filosóficas profundas ou uma casuística legal erudita. Suas doutrinas não são revelações secretas, não visam também a uma determinada ordem jurídica nem a determinadas condições jurídicas e políticas.

. Tanto Gautama como Jesus partem da condição provisória e efêmera do mundo, do caráter transitório de todas as coisas e da não redenção do homem. Tudo isto se evidencia na cegueira e na loucura, na situação caótica, no envolvimento com o mundo e na falta de amor para com os semelhantes.

. Tanto Gautama como Jesus apontam um caminho para liberar do egoísmo, da dependência do mundo, da cegueira – libertação essa que se alcança não pela espe­culação teórica nem pelo raciocínio filosófico, mas sim por uma experiência religiosa e por uma transformação interior. Um caminho muito prático para a salvação.

. Para se chegar a essa salvação, nem Gautama nem Jesus exigem condições es­pe­ciais de caráter intelectual, moral ou ideológico. Basta que o homem ouça, entenda e daí tire suas conclusões. Ninguém é interrogado por sua verdadeira fé, nem se exige nenhuma declaração de ortodoxia.

. O caminho tanto de Gautama como de Jesus é o caminho do meio-termo entre os extremos do prazer dos sentidos e da autopunição, entre o hedonismo e o ascetismo. Um caminho que permite que o homem se volte para o próximo com uma nova atitude de acolhimento! Não apenas os mandamentos gerais para todos – não matar, não mentir, não furtar, não praticar luxúria – se correspondem amplamente em Buda e em Jesus, mas também, em príncipio, as exigências básicas de bondade e de alegria compartilhada, de compaixão amorosa, (Buda) e de amor compassivo (Jesus).

Mas os paralelos entre os caminhos de salvação budista e cristão não se restringem às figuras dos fundadores. Evidenciam-se também em certos desenvolvimentos que vieram mais tarde, sobretudo no monasticismo.

TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO RELIGIÕES DO MUNDO – HANS KUNG – EDITORA VERUS – 2004 – E EDITADO POR ALEXANDRE CUMINO, PARA O JORNAL DE UMBANDA SAGRADA, SETEMBRO DE 2008

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