Sobre o
povo cigano não se tem ao certo uma definição conclusiva. O que há de
entendimento geral é de que, o cigano, é um indivíduo nômade, originário
do norte da Índia e espalhado em pequenos grupos pela Ásia, Europa,
África do Norte e algumas partes da América como um todo.
Vários mitos são atribuídos aos ciganos. Alguns dizem que são
aventureiros, boêmios que pedem dinheiro depois de ler nossas mãos e ver
nossos destinos. Outros dizem que eles nunca existiram de fato e que
tudo sobre eles não passa de estórias românticas contadas, apenas, para
satisfazer alguns “corações sonhadores”. Mas na verdade, quem são esses
ciganos?
Desde criança eu ouvia falar em Santa Sara Kali, a
padroeira dos ciganos, mulher da Etiópia escravizada no Egito e que
prometeu a Jesus Cristo que usaria para sempre um lenço na cabeça ou uma
flor no cabelo como sinal de respeito e devoção à Ele depois de ser
salva das águas do oceano.
Naquela época eu lia muitas coisas sobre o povo cigano e imaginava
ser uma daquelas mulheres com saias rodadas e longas, que dançavam em
volta do fogo usando um leque na mão ou um pandeiro com fitas coloridas
penduradas, movimentando-se sob o ritmo de uma música espanhola ou outro
idioma qualquer que eu não sabia bem qual era… A música me fascinava
mesmo quando ela existia apenas na minha imaginação. Os homens usavam um
lenço vermelho na cabeça, camisa com mangas folgadas e presas nos
punhos, faixa amarrada na cintura e com braços erguidos, também batiam
palmas. Às vezes, levavam uma rosa vermelha na boca – presa entre os
dentes – para presentear a mulher que seria envolvida na dança. Sempre
olhando nos olhos!
Não sei se estou no rol daquelas que têm um “coração sonhador” à
espera de um cigano para dançar comigo ao redor de uma enorme fogueira
sob uma fascinante lua cheia, e no final, ganhar dele a tal rosa
vermelha. O que sei é que, recentemente, vi de perto esse universo que
sempre imaginei, mas que só conhecia nos filmes e nos livros que lia em
segredo quando era adolescente. E encontrei esse lugar bem aqui, em
Crato!
Existe na cidade um grupo de dança cigana composto de quase vinte
pessoas. Homens e mulheres de diferentes idades, e de motivos pelos
quais procuram dançar! Sandra Albano, a coreógrafa e
professora, busca transmitir aos seus alunos não só os segredos da dança
dos ciganos e da sua música, como também, o entendimento de que há toda
uma magia gigantesca na natureza e que se revela dentro de cada um. O ar, o fogo, a terra, a água, o éter (5º elemento para o povo cigano)… e por fim, nós
mesmos, como parte importante em toda essa energia! E esse que age
mutuamente com as forças naturais é o verdadeiro cigano, não exatamente
aquele que existia nos romances que eu lia e nos meus devaneios tolos de
menina.
As aulas de dança cigana acontecem duas vezes por semana no Espaço “Viva Luz” e é o resultado do Opré Romá (Núcleo
de Estudos para Valorização da Arte e Cultura Cigana) criado por Sandra
Albano com o objetivo de estender o entendimento dessa cultura no
Cariri com palestras, exposições, valorização das etnias, harmonizações,
mostras de arte, etc. Evidentemente, ela leva o Grupo de Dança para se
apresentar em diversos lugares que o convida. Mas é na transposição da
lua crescente para a lua cheia de cada mês, que uma grande festa é
realizada na Chácara Ananda, de sua propriedade, em que
há um imenso e lindo jardim onde todos interagem em um ritual
tipicamente cigano ao som de músicas típicas e envolventes, energizações
e intenso respeito à vida.
Uma grande homenagem à Santa Sara Kali aconteceu
naquele “jardim encantado” na Chácara Ananda no último dia 24 deste mês
de maio, data em que Ela é festejada por ciganos em todo o mundo. A
“escrava africana” capturada com as Três Marias, cuja história
ergue o início do Cristianismo e somente reconhecida pela Igreja
Católica em 1712 quando fora canonizada, também seria homenageada com
muito louvor e alegria, no sul do Ceará, bem aqui em Crato, em meio à
Chapada do Araripe! A estimativa é de que, mais de 15 milhões de ciganos
espalhados em diferentes pontos da Europa, Ásia, África, Austrália e
Nova Zelândia também faziam festejos comemorativos a sua padroeira
naquele mesmo dia.
A Festa de Santa Sara Kali em Crato
Logo na chegada àquele lugar se ouvia ao longe uma música com som das
castanholas e do violão, que são alguns dos instrumentos musicais dos
ciganos, em especial, daqueles que vieram da Espanha. A festa não havia
começado, mas os dançarinos já estavam com suas vestimentas típicas de
ciganos de determinadas regiões, além de um casal que seria abençoado
com as energias ciganas, tudo feito sob os costumes ciganos.
Incensos, fogueira, tendas armadas, flores, as três Estrelas de Davi construídas
para as harmonizações, uma mesa com alimento, música leve e relaxante…
Havia uma paz que muitos dos convidados não sentiam há tempos. Para
concluir o ambiente especial, uma gruta fora construída para servir de
altar à Santa Padroeira dos Ciganos, ainda sem a imagem Dela que viria
em cortejo instantes depois.
Começa a festa e Sandra Albano, cumprimentando e agradecendo a
presença de todos os convidados, iniciou os festejos com uma oração, o Pai Nosso,
do qual todos devem conhecer não só as palavras, mas o significado
delas. Ela explicou o sentido daquela comemoração, do chá e do pão, e de
tudo o que havia lá, contando a história de Santa Sara Kali e da sua
evangelização pela Europa, a questão das etnias e dos costumes ciganos. O
cortejo veio em seguida com a imagem de Sara Kali que seria levada à
gruta construída inteiramente para Ela.
Crianças dançaram, um duelo cigano foi lindamente interpretado pelos
irmãos Walevisk e Vinícius, as mulheres saudaram – com a dança – os
elementos da natureza usando seus pandeiros, lenços, xales, flores… Logo
a união de um casal seria abençoada sob o ritual cigano. Eles fariam
seus votos de matrimônio na presença de muitos irmãos espirituais.
Cada dançarino não representava apenas uma coreografia típica de uma
região com comunidade cigana. Naqueles ritmos e passos dançantes se
saudava a vida que brota em toda parte, esbanjando alegria e emanando
bons fluídos a platéia hipnotizada com tamanha beleza.
Ao final de tudo, a união do casal foi protegida com as energias da
natureza nos moldes dos costumes ciganos. Eles trocaram alianças que,
para os ciganos, são simbolizadas por duas rosas vermelhas. Beberam do
mesmo vinho, na mesma taça que foi quebrada pelo noivo logo depois. A
união deles estava abençoada, e como disse o padrinho: “o destino dos dois será um só até que aqueles pedaços de vidro se juntem novamente”. Somente eles dois beberam daquele vinho! Em seguida, a noiva distribuiu rosas vermelhas às mulheres recebendo platas em troca.
Tudo era alegria e havia famílias inteiras naquele lugar! O alimento
foi dividido por todos, em especial, o chá e o pão. As pessoas formavam
filas para receber as harmonizações das dançarinas ciganas em volta do
fogo que faziam orações e balançavam seus pandeiros para equilibrar as
energias internas dos visitantes.
Descobri que ser verdadeiramente cigano é estar em condição de
nobreza espiritual. Completo êxtase com a música, com os elementos da
natureza, com a nossa própria existência… Todos os pensamentos voltados
inteiramente para o bem de si e do próximo. Descobri que qualquer um
pode ser cigano independentemente de etnia, porque tudo é uma questão de
pensamento e atitude, não de um lugar onde nasceu ou mora.
Não se trata de uma crença ou religião, de um grupo socialmente
separado ou de sujeitos aquém dos problemas do mundo. Trata-se de
pessoas que exaltam a vida acreditando que há um Ser Supremo que é
centro de toda essa energia, encontrando na natureza, na música e na
dança, uma filosofia existencial e forma de intercâmbio físico e mental
com algo Divino e que está em toda parte, inclusive, dentro de nós
mesmos. Eu procuro diariamente essa “cigana” que há em mim. Procuro essa
energia natural em todos os cantos. E você?
Fonte: Reino de Oxum
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