Por Rubens Saraceni
É claro que uma mulher altiva, senhora de si, segura, competentíssima no seu campo de atuação, seja ele profissional, político, intelectual, artístico ou religioso, impressiona positivamente alguns e assusta outros.
Agora, se esse imenso potencial também aflorar nos aspectos íntimos dos relacionamentos homem-mulher, bem, aí elas fogem do controle e assustam a maioria como começam a ser estereotipadas como levianas, ninfomaníacas, etc., não é mesmo?
Liberdade com cabresto ainda é aceitável em uma sociedade patriarcal e machista.
Mas, sem um cabresto segurado por mãos masculinas, tudo foge do
controle e a sociedade desmorona porque não foi instituída a partir da
igualdade, e sim, da desigualdade.
Uma mulher submissa, só acostumada e condicionada a sempre dizer
“amem”, todos aceitam como amiga, como vizinha, como colega de trabalho,
como namorada, como esposa, como irmã, etc., mas uma mulher
questionadora, insubmissa, mandona, contestadora, independente,
personalista, etc., nem pensar não é mesmo?
- Pois é!
Não seria diferente em se tratando de espíritos e, para complicar
ainda mais as coisas, com eles incorporando em médiuns e trabalhando
religiosamente para pessoas com problemas gravíssimos de fundo
espiritual.
De repente, uma religião nascente e espírita se viu diante de
manifestações de espíritos femininos altivos, independentes, senhoras de
si, competentíssimas, liberais, provocantes, sensuais, belíssimas,
fascinantes, desafiadoras, poderosas, dominadoras, mandonas,
cativantes, encantadoras, cuja forma de apresentação fascinou os
homens porque elas simbolizavam o tipo de mulher ideal, desde que não
fosse sua mãe, sua irmã, sua esposa e sua filha, certo?
Quanto às mulheres, as Pombagiras da Umbanda simbolizavam tudo o que
lhes fora negado pela sociedade machista, repressora e patriarcal do
início do século XX no Brasil, onde à mulher estava reservado o papel
de mãe, irmã, esposa e filha comportadíssimas… senão seriam expulsas de
casa ou recolhidas a um convento.
Mas, com as Pombagiras de Umbanda não tinha jeito, porque ou deixavam
elas incorporarem em suas médiuns ou ninguém mais incorporava e
ajudava os necessitados que iam às tendas de Umbanda.
Só um ou outro dirigente ousava realizar sessões de trabalhos
espirituais com as Pombagiras, e a maioria deles preferia fazer “giras
fechadas” para a esquerda, para não “escandalizar” ninguém e para não
atrair para o seu centro a polícia e os comentários ferinos sobre as
“moças da rua”.
Só que essa não foi uma boa solução porque as línguas ferinas logo
começaram a tagarelar e a espalhar que nessas giras fechadas rolava de
tudo, inclusive sexo entre os seus participantes, criando um mal estar
muito grande, tanto dentro do círculo umbandista quanto fora dele.
E ainda que tais fuxicos fossem falsos e maledicentes, não teve mais
conserto porque o “vaso de cristal” da religiosidade umbandista
nascente havia se trincado, e as “moças da rua” já haviam sido
estigmatizadas como espíritos de rameiras que incorporavam em médiuns
mulheres para fumarem, beberem champagne, “gargalharem à solta”,
rebolarem seus quadris, balançarem seus seios de forma provocante e
para atiçarem nos homens desejos libidinosos e inconfessáveis.
Para quem não sabe, rameira era o nome dado às prostitutas e às “mulheres de programas” do nosso atual século XXI.
O único jeito de amenizar o “prejuízo religioso” que eles haviam
causado com suas “petulâncias” foi tentar explicar que não era nada
disso, e sim, que as Pombagiras eram Exus femininos e, como todos
sabem, Exu não é flor que se cheire, ainda que seja muito competente nos
seus trabalhos de auxílio aos necessitados de socorros espirituais,
certo?
Como “mulher de Exu” ou como Exu feminino, ainda dava para deixar
uma ou outra incorporar na gira deles, mas já submissas a eles, que
ficaram encarregados de zelar pela moral e pelos bons costumes delas…
E aí as giras de esquerda foram sendo abertas timidamente e, pouco a
pouco e paralelamente, a sociedade estava passando por profundas
transformações sociais, comportamentais e políticas, em que a poderosa
Igreja Católica estava perdendo poder e cedendo à sociedade algumas
liberdades religiosas.
Quando os militares assumiram o poder nos anos 60 do século XX e logo
entraram em choque com alguns setores do catolicismo arraigados na
política, então diminui de forma acentuada a intensa perseguição da
polícia sobre as tendas de Umbanda.
Somando à liberdade conseguida no período da ditadura, vieram os
movimentos feministas que explodiram na América do Norte e na Europa,
que conseguiram muitas conquistas para as mulheres.
A par destes acontecimentos, veio a explosão da revolta da juventude,
com os Beatles e com Woodstock, que mudaram os padrões comportamentais
dos jovens e as relações entre pais e filhos.
Pombagira assistiu a todos esses acontecimentos, que se passaram nos
anos 1960 e 1970 e, entre um gole de champagne e uma baforada de
cigarrilha, dava suas gargalhadas debochadas, e dizia isto:
- É isso aí, mesmo! Mais transparência e menos hipocrisia!
Trecho extraído do livro do autor, intitulado “Orixá Pombagira – Fundamentação do mistério na Umbanda” – Editora Madras.
PS.: Rubens Saraceni, dispensa apresentações é o autor umbandista
mais lido dos ultimos tempos, tendo titulos consagrados como Guardião da
Meia Noite e Cavaleiro da Estrela Guia… são mais de 50 titulos pela
Editora Madras, confira no site www.madras.com.br
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