quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A FILOSOFIA, NEUROCIÊNCIA E O ESPIRITISMO EXPLICAM

Mênades Exaustas após a Dança (1874), pintura inacabada de Lawrence Alma-Tadema.

Mênades, tíades, bassárias ou bacantes, segundo a antiga cultura greco-romana, eram mulheres seguidoras e adoradoras do culto de Dionisio ou Baco; conhecidas por serem selvagens e endoidecidas quando em transe. Durante o culto, dançavam de uma maneira muito livre e lasciva, em total concordância com as forças mais primitivas da natureza. Os mistérios (fenômenos mediúnicos) que envolviam o nome do deus provocavam nelas um estado de êxtase absoluto, entregando-se a desmedida violência, sacrifício de animais e pessoas, sexo, embriaguez e autoflagelação. Reza a lenda que Penteu, rei de Tebas, ao tentar impedir as solenidades dos bacanais, foi confundido com um javali e despedaçado pelas bacantes; entre elas estavam a própria mãe do rei. 


A felicidade do pobre parece
a grande ilusão do carnaval:
a gente trabalha o ano inteiro
por um momento de sonho,
pra fazer a fantasia,
de rei ou de pirata ou jardineira,
e tudo se acabar na quarta-feira.

(Trecho de A Felicidade, 1959, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim)


Uma nota Introdutória

[...]

O que difere entre nós na busca pela felicidade é onde a procuramos. Nenhuma busca é errada; é apenas associada ao grau de consciência espiritual de cada um.

A maioria considera que a felicidade está na plena realização dos desejos pessoais. Para estes, ser feliz está definitivamente vinculado à solução positiva dos problemas de saúde, de relacionamento, de família, profissional, financeiro etc.

Mas será esta a Verdadeira Felicidade?

É claro que nos esforçarmos para atingir nossas metas é importante! O erro está em associarmos as nossa felicidade ao sucesso, e a nossa infelicidade ao fracasso destes empreendimentos. Se assim for, nosso estado de espírito será tão instável quanto a alternância do bom e mal tempo. Se construirmos algo tão precioso como a nossa felicidade sobre alicerces tão instáveis como esses, assumiremos interiormente esta mesma natureza de instabilidade. Ora estaremos felizes, ora infelizes; e mais tarde, felizes de novo; e então, infelizes novamente. É isso que queremos?

[...] associarmos a nossa felicidade à realização de nossos planos pessoais nada mais é que um vínculo inadequado com o nosso próprio ego. Fazemos isso por ignorância, e nela permaneceremos até quando quisermos. Ninguém é capaz de nos tirar deste aprisionamento a não ser nós mesmos. Podemos até ter ajuda, mas a decisão, o sentimento e a ação neste sentido são exclusivamente pessoais.

O "mundo" do ego é tentador, porque, afinal de contas, quem não quer desfrutar do prazer de ter as suas metas realizadas? Mas [...] a Verdadeira Felicidade é aquela que é Eterna, ou seja, a que permanece plena tanto no sucesso como no fracasso de nossos planos egocêntricos. A Felicidade Eterna não se baseia no que é temporário, mas no que é Eterno.

(Trecho do artigo de Marcelo Patury, palestrante de estudos sobre o Bhagavad-Gita, no jornal Por do Sol, out. 2011, p. 16, com modificações)


Festim Outonal da Vindima (1877), de Lawrence Alma-Tadema.


Felicidade foi-se embora
e a saudade do meu peito inda mora,
e é por isso que eu gosto lá de fora,
porque eu sei que a falsidade não vigora.

(trecho de Felicidade, 1952, de Lupicínio Rodrigues)

O Carnaval é fonte de felicidade? A resposta correta seria: depende da perspectiva. Existem duas perspectivas filosóficas sobre a felicidade humana: a perspectiva hedônica e a eudaimônica (Ryan et al., 2008). Na primeira, baseada na palavra grega hēdonē, que significa prazer, e defendida pelo fundador do hedonismo, Aristipo (435-356 a.C.) (Watson, 1895), toda a felicidade provém do prazer dos sentidos físicos e do evitamento da dor. Assim, para alguém ser feliz, segundo esta perspectiva, deve procurar evitar todo tipo de dor e satisfazer-se nos prazeres físicos. Epicuro (341-270 a.C.) (Watson, 1895), também defensor do hedonismo, acrescenta a ideia do prazer como a tranquilidade da mente – Aponia – como a principal fonte de felicidade, refinando o conceito de hedonismo para um conceito mais espiritualizado. Ele afirma também que, do ponto de vista da moralidade, o bem é aquilo que nos faz bem e faz bem aos outros, e o mal é aquilo que nos faz mal e faz mal aos outros e que, para sermos felizes, precisamos discernir três tipos de desejos: (1) os desejos naturais e necessários (alimento, abrigo), (2) os desejos naturais e desnecessários (alimentos caros, orgias, sexo, álcool) e (3) desejos não naturais e desnecessários (status, prestígio e poder). Assim, Epicuro afirma que o primeiro tipo de desejo nos proporciona felicidade, enquanto que o segundo e o terceiro nos insere num ciclo interminável de felicidade a curto prazo e de infelicidade a longo prazo (Watson, 1895).

A Bacante ou Tocadora de Tamborim (1895), de Frederic Leighton.

Na outra perspectiva filosófica sobre a felicidade, defendida por Sócrates, Platão e Aristóteles, Eudaimonia, que significa Eu (bom) + Daimón (espírito guardião), assenta toda a felicidade na aquisição das virtudes, e que a felicidade é ter espíritos bons (ou anjos, segundo alguns cristãos) conosco, como resultado das virtudes que adquirimos em nós (Plato, 370 a.C./2005). Para Platão, as virtudes são os ingredientes fundamentais para a felicidade e incluem também a supressão dos desejos e a virtude da justiça (Plato, 370 a.C./2005). Para Aristóteles, a felicidade advém do exercício das virtudes, e constitui o ingrediente mais importante de Eudaimoniaembora ele também não despreze a importância dos bens materiais, da saúde e da beleza.

Ninfas e Sátiro (1873), de William-Adolphe Bouguereau.


O Espiritismo partilha a filosofia eudaimônica, porque mais não é que o aprofundamento da filosofia socrática e platônica e do cristianismo primitivo, dentro de uma linguagem moderna e de uma perspectiva filosófica, científica e religiosa (ver O Livro dos Espíritos, questões 100, 115, 313, 394, 440, 707, 777, 785, 789, 897, 920, 921, 922, 924, 926, 927, 931, 962, 967, 968, 976a, 979, 982, 983, Conclusão do L.E, para um estudo mais aprofundado sobre a felicidade na perspectiva espírita).


Bacante (1894), de William-Adolphe Bouguereau.

Na neurociência e na psicologia moderna, os estudos têm incidido muito mais sobre a psicologia hedônica (Kahneman, Diener e Schwarz, 1999) e sobre a neurociência do prazer (ver Schultz, 2009). Por exemplo, na psicologia hedônica, o Prêmio Nobel de Economia, Daniel Kahneman, que é psicólogo, tem estudado o chamado “bem-estar” subjetivo como a maior fonte de felicidade. Na neurociência, Schultz definiu o sistema de recompensa, conhecido popularmente como região cerebral do prazer, como a área tegmental-ventral da região medial do cérebro. Esta região reage positivamente a estímulos de prazer, como chocolate, sexo, ou qualquer outro estímulo sensorial gerador de prazer físico. Estes estudos têm conduzido a concepções neurocientíficas do hedonismo (Kringelbach e Berridge, 2009) e aplicados em uma nova área de bases neurocientíficas da psicologia hedônica, em que as emoções positivas, o bem-estar e a felicidade são o resultado do prazer sensorial.

Baco (c.1595), de Caravaggio.

No entanto, existem também duas grandes correntes (uma da Psicologia Experimental e outra da Neurociência) que enfatizam a importância das virtudes para a felicidade, ou seja, partilham uma perspectiva eudaimônica.

Baco Jovem e Enfermo (c.1593), de Caravaggio.

Dentro da Psicologia Positiva, foi demonstrado experimentalmente que as pessoas que sentem gratidão são mais felizes (Emmons e McCullough, 2003). Foi criada uma teoria da felicidade sustentada (Lyubomirsky, Sheldon, e Schkade, 2005), que demonstra que a felicidade se constitui nas atividades intencionais diárias construtivas e não nas circunstâncias da vida (Sheldon e Lyubomirsky, 2006) nem na posse dos bens materiais (Van Boven, 2005); em ajudar os outros (Lyubomirsky, Sheldon, e Schkade, 2005), e um conjunto de virtudes a serem desenvolvidas pelos seres humanos (Peterson and Seligman, 2004).

Baco Bebedor (c.1623), de Guido Reni.

Quanto à neurociência, o Dr. Jorge Moll Neto demonstrou que um ato de altruísmo (sacrifício em prol de uma causa moral) ativa o sistema de prazer, ou seja, a área tegmental-ventral da região medial do cérebro (Moll et al., 2006), conectado com o córtex frontopolar, região moralmente nobre do cérebro.

Dois Sátiros (1618-19), de Peter Paul Rubens.

Esta é a primeira prova científica de que um ato moral nobre (ou ético) gera prazer sensorial! Isto significa que o cérebro nos recompensa biologicamente por uma ação moral positiva, mesmo quando ela implica em sacrifício para nós! Para além disso, podemos afirmar, com bases científicas que, quando estamos encarnados na Terra, o prazer espiritual de uma virtude está conectado a um prazer sensorial, demonstrando aos religiosos castradores do passado que não é pecado sentir prazer! A grande questão é que o prazer sensorial ligado às virtudes torna-se propriedade intemporal do indivíduo (ver A Verdadeira Propriedade, Cap. XVI, Não se pode servir a Deus e a Mamon, item 8, de O Evangelho segundo o Espiritismo – Kardec, 1866/1944) enquanto que o prazer pelo prazer produz uma felicidade temporária, mais comumente durante o Carnaval, quando há um prazer intenso e, logo após, uma enorme ressaca de Carnaval, quando o sexo, o álcool e os batuques produzem, no dia seguinte de trabalho, a “depressão” de ter que enfrentar a realidade, sem ter construído nada de positivo e duradouro para o ser, durante a vivência do Carnaval.

Mulheres de Amfisa (1887), de Lawrence Alma-Tadema.
Dentro do conhecimento histórico que temos das mênades da Grécia Antiga, existiam os tiasoi (cortejos ao culto de Dioniso). As mulheres conhecidas como tíades juntavam-se anualmente, viajando de Atenas para se juntarem às demais em Delfos, a fim de celebrarem os ritos dionisíacos, nas encostas do monte Parnaso. Estas executavam danças em pontos fixos ao longo do percurso. Plutarco (Moralia, 249) narra um episódio do século IV, no qual um grupo de tíades de Delfos, ainda em êxtase dos seus festins, vaguearam até ao mercado de Amfisa e adormeceram. As mulheres dessa cidade, temendo que os soldados as molestassem, formaram um círculo em volta delas, mantendo uma vigília durante toda noite (Joan Breton Connely: 2007, p. 42).


Isto significa que a prática das virtudes é também uma questão de inteligência e capacidade de visão para a construção de uma felicidade sólida para cada um de nós. Respondendo então à questão inicial, a verdade é que o Carnaval proporciona uma intensa felicidade hedônica nos seus três dias de duração, mas (esses dias) se perdem nas linhas do tempo, por não ter cultivado nenhuma felicidade na perspectiva eudaimônica.

Detalhe de Mênades... de Alma-Tadema.


Marcha da Quarta-Feira de Cinzas 
(Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1963)

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar

Porque são tantas coisas azuis
há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar e que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz

Para ouvir (na voz de Dalva de Oliveira):

Referências:

ARISTOTLE (1998). The nicomachean ethics. Trans. D. Ross. New York: Oxford Univ. Press.

EMMONS, R.A. & MCCULLOUGH, M.E. (2003). Counting blessings versus burdens: An experimental investigation of gratitude and subjective well-being in dally life. Journal of Personality and Social Psychology, 84(2), 377-389.

KAHNEMAN, D.E; DIENER, E. & SCHWARZ, N. (1999). Well-being: the foundations of hedonic psychology. New York: Russell Sage Foundation.

KARDEC, A. (1860/1944). O Livro dos EspíritosRio de Janeiro: FEB.
KARDEC, A. (1860/1944). O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB.
KRINGELBACH, M.L. & BERRIDGE, K.C. (2009). Toward a functional neuroanatomy of pleasure and happiness. Trends in Cognitive Sciences, 13(11), 479-487.

LYUBOMIRSKY, S.; SHELDON, K.M. & SCHKADE, D. (2005). Pursuing happiness: The architecture of sustainable change. Review of General Psychology, 9(2), 111-131.

PETERSON, C. & SELIGMAN, M.E.P. (2004). Character strengths and virtues: A handbook and classification. New York: Oxford University Press/Washington, DC: American Psychological Association.

PLATO (2005). Phaedrus. London: Penguim Classics.

RYAN, R.M.; HUTA, V. & DECI, E.L. (2008). Living well: A self-determination theory perspective on eudaimonia. Journal of Happiness Studies, 9, 139-170.

SCHULTZ, W. (2009). Midbrain dopamine neurons: a retina of the reward system? In P.W. Glimcher, C.F. Camerer, E. Fehr and R.A. Poldrack (Eds.), Neuroeconomics, decision making and the brain, pp. 323-329.

SHELDON, K.M. & LYUBOMIRSKY, S. (2006). Achieving sustainable gains in happiness: Change your actions, not your circumstances. Journal of Happiness Studies, 7, 55-86.

VAN BOVEN, L. (2005). Experientialism, materialism, and the pursuit of happiness. Review of General Psychology, 9, 132-142.

WATSON, J. (1895). Hedonistic theories from Aristippus to SpencerLondon: Bibliolife, LLC.

Artigo de João Ascenso (psicólogo social, neurocientista e expositor espírita) em Revista Cultural Espírita, Rio de Janeiro: ICEB, março de 2011, pp. 12-13 (com modificações).
 

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