quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Psiquiatria - Transe e Possessão - Parte 12


Os Cultos da Aflição

Cristina Pozzi Redko entende esse tipo de culto, Cultos de Aflição, como aquele para o qual se dirigem pessoas aflitas e em busca da resolução de problemas concretos do cotidiano. Com esse enfoque, a religiosidade é usada para resolver problemas que dizem respeito a doenças, dificuldades amorosas e financeiras e problemas familiares (Alguns Idiomas Religiosos de Aflição no Brasil - Cristina Pozzi Redko).

De acordo com a angústia que aflige praticamente a maioria das pessoas, esses Cultos da Aflição têm clientela garantida, seja pelas mazelas do cotidiano, pelos sofrimentos emocionais ou angústia existencial, muitos recorrem às religiões tentando tornar a vida mais compreensível, suportável e se orientando dentro de seus contextos problemáticos.

De fato, os problemas de saúde em primeiro lugar, seguido por problemas econômicos e sentimentais, constituem a parte mais expressiva da aflição que leva as pessoas a procurarem uma ajuda religiosa. E essa procura será tão maior quanto mais incômodos forem os problemas e quanto mais escassas forem as condições tradicionais para resolvê-los.

Normalmente a religião mobiliza pessoas a procurar ajuda por causa de suas representações mágicas. Há ainda um elemento facilitador que é concepção cultural da existência de dois tipos de doenças; as do corpo e, desafiando qualquer avanço científico, aquelas do espírito. A igreja, de modo geral, pode se ocupar de ambas, com evidente predileção pelo segundo tipo.

A doença espiritual é mais conhecida em nosso meio como "encosto" (causado por um espírito naturalmente mau) ou "uma obsessão" (causada por um espírito obsessor, entenda-se como quiser). Entretanto esta distinção é muito sutil, na medida em que as doenças materiais de difícil solução médica podem passar, repentinamente, a ser consideradas como agravadas por elementos espirituais.

Ora, para essa população que sente as agruras da vida através da magia de seus corpos, não basta a medicina. Há que se recorrer ao arsenal igualmente espiritualizado. Os sofredores constituem-se num Culto dos Aflitos, procurando seitas e igrejas que mais prontamente atendem seus reclamos. O exótico e exuberante culto pentecostal atende a todos.

Durante os Cultos de Aflição essas igrejas despedem grandes esforços para retirar encostos, desfazer a inveja e o olho-grande, libertar pessoas da feitiçaria, dos despachos de macumba, das possessões por orixás, guias e espíritos. Alguns folhetos chegam a ponto de trazerem uma lista de indicações ao alcance dos trabalhos dos cultos, tais como problemas de "desemprego, sentimental, financeiro, vícios, enfermidades, nervosismo, depressão, ouvir vozes, ver vultos, familiar", divulga as especialidades terapêuticas da igreja conforme o dia da semana (Neopentecostais; Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil - Ricardo Mariano, Editora Loyola).

Um dos perigos mais contundentes desses Cultos de Aflição é tentar alterar o significado de alguma doença para aquele que a está sofrendo. Mas os rituais não implicam, obrigatoriamente, na remoção definitiva dos sintomas, mas na mudança dos significados que a pessoa atribui a esses sintomas ou ainda a uma alteração em seu estilo de vida, protelando perigosamente um tratamento médico adequado.

Fenômenos como o encosto, a possessão pelo demônio ou por um espírito, muitas vezes são sintomas de transtornos emocionais mas, no contexto religioso do Brasil, a possessão e o transe são comportamentos culturalmente aceitos e raramente vistos como sintomas de distúrbio mental.

Muitas doenças curadas nesses Cultos de Aflição são causadas, segundo seus embasamentos teológicos, pelo mal-olhado, feitiço, coisa-feita, bruxaria, macumba ou coisa que o valha. O próprio catolicismo popular é muito flexível, tolerante e receptivo a essas idéias, pois, compartilha a crença nos espíritos, na eterna luta entre Deus e o diabo e na possibilidade ser possuído por ele.

(Continua...)

para referir:
Ballone GJ, Ortolani, IV  - Transe e Possessão - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.

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