quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Psiquiatria - TRanse e Possessão - Parte 6


Crenças Patológicas (existem?)

Embora o problema da religiosidade tenha sido sempre uma preocupação universal, desde a filosofia grega antiga até Marx, passando, por Montaigne, Spinoza, Kant, Darwim, Nietzsche e Durkheim, a psiquiatria acompanha a idéia de Feuerbach, considerando a religião um reflexo de uma necessidade psicológica, individual e coletiva.

Freud também considerava o sentimento religioso uma necessidade de caráter íntimo e pessoal. Segundo ele, além de sua virtude de consolar, a crença em Deus quando se excede pode ser compreendida, também, como um sintoma neurótico, mais precisamente do tipo obsessivo, semelhante ao que se produz como conseqüência dos sentimentos da relação da criança com seu pai.

A psicopatologia, por sua vez, sempre procurou limitar a religião à sua natureza fisiológica, como uma necessidade psicológica conveniente e sadia, quando adequada até uma eventual ocorrência mórbida e regressiva. Sob essa ótica, a religiosidade pode atender à um propósito terapêutico ou, ao contrário, pode refletir uma situação clínica patológica.

Portanto, a religiosidade e o exercício religiosos podem ser considerados normais, fisiológicos e culturalmente adequado, sempre se levando em conta algumas variáveis.

Entre essas variáveis, capazes de tornar o fenômeno religioso patológico estão, por exemplo, a intensidade e grau de obsessão do pensamento místico, a noção dos limites que existem entre o pensamento mágico e o lógico, a consciência pessoal das questões da vida prática emancipadamente da influência divina, entre outras.

É objeto de preocupação da psicopatologia a possibilidade de estar havendo, por conta do pensamento religioso, uma falsificação grosseira da lógica, uma utilização mórbida de pensamentos mágicos, alguma produção de sofrimento pessoal ou nos demais ou uma alienação de outros princípios éticos, morais e da própria realidade.

Não há nenhum interesse da psicopatologia em avaliar clinicamente a crença em Deus, já que um de seus mais importantes princípios é o respeito à convicção e à subjetividade comum a todos seres humanos, desde as fantasias e devaneios agradáveis à alma humana, até os princípios científicos de puro saber, o racionalismo prevalente e outras formas objetivas de lidar com a realidade.

Assim sendo, embora a psicopatologia enalteça o uso da razão e estimule um curso, ritmo e conteúdo sadios do pensamento, por outro lado ela não pretende que a pessoa se mantenha exclusivamente atrelada à forma lógica ou mágica do pensamento. A psicopatologia não preconiza que a pessoa deva rechaçar crenças que não sejam determinadas por motivos exclusivamente racionais, não pede para tirarmos conclusões exclusivamente a partir daquilo que se podemos tocar e ver, e não acha sadio que a pessoa permita atrofiar-lhe a capacidade de fantasiar, de alimentar devaneios sadios e de consolar-se em suas próprias crenças. Isso quer dizer que nosso pensamento mágico deve conviver harmoniosamente com nosso pensamento lógico.

Em nome do ser humano livre, a psicopatologia deve reconhecer o exercício da subjetividade e do desejo, ressaltando importância adequada aos acontecimentos da historia pessoal e ao desenvolvimento da personalidade de cada um, bem como das influências exercidas pela cultura na elaboração pessoal dos valores mágicos, éticos e morais, onde se inclui perfeitamente a religiosidade.


(Continua...)


para referir:
Ballone GJ, Ortolani, IV  - Transe e Possessão - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.

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