quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Psiquiatria - Transe e Possessão - Parte 2


Visões, Inspirações, etc, de Origem Emocional ou Orgânica

Alguns pacientes com Epilepsia do Lóbulo Temporal ou do Sistema Límbico podem sofrer exóticas mudanças de personalidade, tanto sob a forma aguda, durante as crises (se houverem) ou, mais curiosamente, entre os ataques, de forma crônica. Esses quadros de mudanças de personalidade se dão, comumente, como um episódio de êxtase místico, com exacerbação de preocupações religiosas, compulsão a falar ou escrever sobre temas metafísicos, orações, estados de êxtase, de graça (com sentimentos de bondade extrema), enfim, com manifestações de alguma espiritualidade culturalmente delineada.

Se as visões e alterações da personalidade forem muito evidentes nesses pacientes disrítmicos, recomenda-se a classificação como Transtorno Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral (disritmia). Um transtorno com esse diagnóstico é caracterizado por alucinações ou delírios proeminentes, presumivelmente decorrentes dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral sobre o cérebro.

As alucinações (sintoma psicótico, exceto quando culturalmente sugerida) podem ocorrer em qualquer uma das cinco modalidades dos sentidos, isto é, podem ser visuais, olfativas, gustativas, táteis ou auditivas, mas alguns fatores etiológicos tendem a provocar fenômenos alucinatórios específicos. Assim sendo, as alucinações olfativas, especialmente aquelas envolvendo o odor de borracha queimada, enxofre ou outros cheiros desagradáveis, são altamente sugestivas de epilepsia do lobo temporal.

Os delírios, por sua vez (que são alterações do pensamento e não da sensopercepção), podem ser variados, incluindo os somáticos, grandiosos, religiosos e, com maior freqüência, os persecutórios (DSM.IV). Em relação ao misticismo, as epilepsias temporais são tão cogitadas que o DSM.IV diz, textualmente: “Os delírios religiosos têm estado especificamente associados, em alguns casos, à epilepsia do lobo temporal.”

Uma outra consideração do DSM.IV, diz respeito à constante presença de aspectos atípicos num Transtorno Psicótico secundário a alterações orgânicas; é atípica, por exemplo, a idade do início das alucinações, a qual pode surgir em qualquer época da vida. Também é quase obrigatória a hipótese de Epilepsia do Lobo Temporal diante da ocorrência de alucinações olfativas e gustativas.

Na mesma linha das disritmias cerebrais (epilepsias), alguns casos de enxaqueca também podem incluir, entre seus sintomas, episódios definidos como aura, quando então são vistas luzes brilhantes muito similares às visões místicas atribuídas por alguns.

Por outro lado, a literatura psiquiátrica também descreve numerosos casos de Síndrome de Tourette, um transtorno psiconeurológico não tão raro, interpretados erroneamente como possessões do demônio, assim como pode acontecer em relação a certos casos, como a Esquizofrenia, de Transtorno Afetivo Bipolar ou mesmo de alguns Transtornos Depressivos mais graves com sintomas psicóticos. Isso tudo sem falar dos maiores clientes de espíritos e demônios; os histéricos, em suas mais variadas apresentações.

O avanço dos conhecimentos da neurociência vem permitindo que esses pacientes possam ser tratados adequadamente, ao invés de serem considerados como iluminados, paranormais, mediúnicos ou tocados por algum espírito, superior ou inferior, dependendo das conveniências. Acontece que nem sempre há interesse cultural para que todos esses casos sejam tratados, mas essa é uma outra questão, muito extensa para a natureza desse trabalho.

Algumas crises neurológicas (Epilepsias), neuropsiquiátricas (Síndrome de Tourette) ou psiquiátricas propriamente ditas (Histerias e afins), podem se manifestar por uma sensação de horror e medo, por violentas convulsões, por lançar o enfermo ao solo, por faze-lo falar "línguas estranhas”, enfim, por sintomas culturalmente atribuídos aos demônios ou outras entidades igualmente poderosas.

Embora os sintomas básicos das doenças mentais sejam uniformes e universais, eles sofrem grande influência do contexto cultural. O delírio, por exemplo, assim como as alucinações, ocorrem universalmente em pacientes esquizofrênicos do mundo todo, assim como também é universal a teatralidade dos histéricos, ou as palavras estranhas que falam os portadores da Síndrome de Tourette e assim por diante. É a mesma coisa, por exemplo, que a manifestação universal da febre diante de uma infecção, em qualquer lugar do mundo e em qualquer povo.

Entretanto, delirar e alucinar com isso ou aquilo, ou seja, o tema do delírio, dependerá do conteúdo cultural de cada um. E, mesmo assim, muitos casos continuam sendo objeto de controvérsia, especialmente quando o entorno cultural da pessoa favorece a interpretação demoníaca.

Veja assuntos relacionados:
Síndrome de Gilles de la Tourette (no DSM.IV)
Epilepsia do Lobo Temporal (melhor descrito em Forense)
Transtorno Psicótico por Condição Médica Geral (no DSM.IV)
 
(Continua...)

para referir:
Ballone GJ, Ortolani, IV  - Transe e Possessão - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.

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